Palavras Limpas

Porque a poesia pertence aos que precisam dela

15 janeiro 2007

Alba

Alba, no canteiro dos lírios estão caídas as pétalas de uma rosa cor de sangue
Que tristeza esta vida, minha amiga...
Lembras-te, quando vínhamos na tarde roxa e eles jaziam puros
E houve um grande amor no nosso coração pela morte distante?
Ontem, Alba, sofri porque vi subitamente a nódoa rubra entre a carne pálida ferida
Eu vinha passando calmo, Alba, tão longe da angústia, tão suavizado
Quando a visão daquela flor gloriosa matando a serenidade dos lírios entrou em mim
E eu senti correr em meu corpo palpirações desordenadas de luxúria.
Eu sofri, minha amiga, porque aquela rosa me trouxe a lembrança do teu sexo que eu não via
Sob a lívida pureza da tua pele aveludada e calma
Eu sofri porque de repente senti o vento e vi que estava nu e ardente
E porque era teu corpo dormindo que existia diante e meus olhos.
Como poderias me perdoar, minha amiga, se soubesses que me aproximei da flor como um [perdido
E a tive desfolhada entre minhas mãos nervosas e senti escorrer em mim o sêmem da minha [volúpia?
Ela está lá, Alba, sobre o canteiro dos lírios, desfeita e cor de sangue
Que destino nas coisas, minha amiga!
Lembras-te, quando era só lírios, altos e puros?
Hoje eles continuam misteriosamente vivendo, altos e trêmulos
Mas a pureza fugiu dos lírios como o último suspiro dos moribundos
Ficaram apenas as pétalas da rosa, vivas e rubras como tua lembrança
Ficou o vento que soprou nas minhas faces e a terra que eu segurei nas minhas mãos


(Vinícius de Moraes)